1.Entre o aquecimento global e a onda de calor que nos últimos dias bateu recordes de temperatura, o Portugal dos fogos de Verão é o mesmo de sempre. Com tendência a piorar, até pela seca profunda que assola o país. O Portugal em chamas é o mesmo: pobre, assimétrico, com um interior ostracizado e sem capacidade de se defender do flagelo, campo abandonado, serras sem vigilância, sem planificação territorial, sem prevenção e com uma enorme incúria de todos…
Mas há uma alteração essencial na narrativa: finalmente, pelo menos no discurso, substituímos o chorrilho da falta de meios no combate ao fogo, o negócio dos aviões e helicópteros, o arder porque não há capacidade para combater o fogo, pelo perceber que a prevenção continua a falhar e a planificação a montante, durante o Inverno, é determinante para evitar o flagelo no Verão
Mas a grande novidade desta época de incêndios, a que já nos habituámos como uma fatalidade, é que parece começar a existir um consenso quanto à naturalidade dos fogos e à impossibilidade de evitar todos e cada um deles. E a mudança aparente do discurso público: aos poucos começa a abandonar-se a ideia do combate para falar da prevenção. Mas quanto a isto parece haver alguma coisa que nos impede de avançar com soluções práticas.
Se em 2022 estamos neste nível de execução e planeamento de políticas públicas é porque a larga maioria da população assim o quis: foram muitos anos de narrativa contra os incendiários, a utopia dos «zero incêndios», a crónica «falta de meios»… E tudo isto foi potenciado por uma elite urbana que tem preferido ignorar um passado de abandono rural, de economia de subsistência, e que leva anos a esbanjar dinheiro no combate em vez de defender o investimento na gestão do território através da criação de economias locais que permitam fazer uma gestão equilibrada do território, do desenvolvimento sustentável de uma pequena economia rural, que poderia seguramente contribuir para reduzir o abandono do campo, para haver menos fogos e mais rápido combate. Gerir a paisagem rural não pode ser só uma luta contra a pegada ecológica, tem de ser o desenvolvimento sustentável de comunidades rurais. Enquanto andarmos a aplaudir a compra de helicópteros e preocupados com o subsídio que se possa dar a quem vive na aldeia e não tenha rendimentos, obviamente que estamos a contribuir para o despovoamento. Hoje devemos defender o apoio, o subsídio, o financiamento a pastores, a pequenos agricultores, a quem vive nas pequenas comunidades rurais que devem ser pagos para residirem e viverem no campo. Só assim podemos reter pessoas e vida no campo. E sai muito mais barato do que continuar a atirar milhões em meios para cima das chamas.
2. Enquanto vejo uma reportagem na TV sobre a gratuitidade do transporte público em Lisboa, a partir deste Verão, para estudantes até aos 23 anos e maiores de 65 promovida pela Câmara da capital, olho para um “passe social” emitido pela Transdev, a um estudante de Valhelhas, para durante todo o mês de agosto poder deslocar-se entre a sua vila e a Guarda, pelo qual pagou 94,40€. E recordo que a CIMBSE recebeu um reforço de verbas do Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes de cerca de 138 mil euros, que segundo os sindicatos terá sido alocado a outra área, mas não à mobilidade. E recordo que, em Lisboa, o passe Navegante Metropolitano, utilizado em todos os meios de transporte da área urbana de Lisboa (18 municípios), tem desde 2019 um custo de 40€ – quem compra um passe em Lisboa pode ir, por exemplo, de Vila Franca de Xira a Setúbal e voltar, todos os dias, ou trabalhar em Alcochete e viver em Sesimbra, e deslocar-se todos os dias, em todos os transportes sem pagar mais por isso. E que, se andar só em Lisboa, pode comprar o Navegante municipal por 30€… E se for estudante, até aos 23 anos, paga 20€ pelo Navegante, para durante todo o mês fazer as suas deslocações em todos os meios de transporte em 18 concelhos… O jovem de Valhelhas, para vir para a Guarda os 31 dias de agosto, pagou por um passe dito social 94,40€. E é aluno do ensino superior! E nos dias anteriores a ter recebido o passe, pagava por dia 3,60€. Ou seja, viver no interior é mesmo muito caro! Quem teimar em viver nas nossas aldeias e vilas tem de ter carro para ir trabalhar, para se deslocar, ou pagar o dobro de quem vive em Lisboa!