Não fosse a pandemia que parou o mundo nos últimos dois anos e o turismo em Portugal poderia ter continuado a crescer de forma extraordinária e, provavelmente, já andaríamos perto dos 20% do PIB nesse sector. Portugal pode gabar-se pelo surpreendente palmarés cheio de prémios internacionais em turismo. Mas muito para além dos galardões amealhados, da satisfação dos visitantes que adoram o país e dos lucros macro que o país arrecada, devíamos também perceber qual o impacto que esse mesmo turismo gera para as populações locais.
Há projetos de pequena escala, de interação, com capacitação dos agentes locais, ou em pequenas infraestruturas públicas que determinam uma fruição coletiva e que permitem pequenos ganhos locais. É o crescimento do chamado “empreendedorismo do estilo de vida” com práticas tradicionais, como poderiam ser por exemplo workshops de cestaria em Gonçalo ou tecelagem no Museu do Trinta (Guarda), em que os turistas poderiam participar e fruir de momentos lúdicos e culturais ancestrais. Há a gastronomia ou os alojamentos locais que vieram mudar a relação da região com o turismo.
E há a cidade da Guarda… que deveria ser o motor e a referência turística por excelência em toda a região, mas ficou parada no tempo – é inacreditável que há 30 ou 40 anos o Hotel de Turismo da Guarda esgotasse com visitantes e turistas (como nos conta José Saramago na “Viagem a Portugal” quando faz o relato da «noite mal dormida» no carro porque o Hotel estava esgotado) e hoje esteja encerrado e a definhar porque nenhum operador vê fluxos turísticos que possam pagar o investimento e os custos de exploração.
Já o escrevi muitas vezes, mas nunca é demais repetir: A Guarda não tem turismo, porque não tem como atrair e reter visitantes. E só retendo por, pelo menos, duas ou três noites é que o turismo pode deixar ganhos locais. Qualquer visitante faz uma visita rápida à Sé Catedral, tira umas fotos rápidas na Praça Velha, que está moribunda, aventura-se por poucos minutos até S. Vicente, vê os azulejos na Igreja, talvez vá até à Judiaria (suja e escura), visita o Museu (o único local que o poderá prender por mais de meia-hora), entra rapidamente na Igreja da Misericórdia, procura um restaurante aberto onde possa provar as anunciadas iguarias, que não encontra, vislumbra a Torre de Menagem (onde não vai porque está fechada), ainda tenta subir à Torre dos Ferreiros (mas não consegue, pois o elevador está quase sempre avariado) e vê o horizonte profundo para onde segue…
Há muito a fazer para mudar este paradigma. Começando pelo centro histórico, um diamante por lapidar, cheio de casas devolutas que a autarquia devia comprar, recuperar (a custos controlados) e arrendar ou vender a jovens – ou instalar residências de estudantes, tantas vezes pedidas pelo presidente do IPG, ou instalar residências artísticas arrendando a jovens artistas que poderiam pagar com a sua arte e performances. Intervir nas casas particulares, protocolando com os proprietários a recuperação de imóveis e mantendo-os ocupados, em colaboração com os residentes, com serviços, com nómadas digitais, com pessoas que queiram instalar-se. É também responsabilidade da Câmara, e urgente, a iluminação cénica de todo o centro histórico, dando brilho e luminosidade ao que de melhor a cidade tem; apoiar os artesão, as artes e ofícios que possam funcionar na cidadela; colaborar com os restaurantes e cafés, promovendo mais e melhores esplanadas, mais e melhores locais, mais e melhores petiscos e pratos regionais e vinhos da região, e concertando horários e obrigação de abertura em dias festivos; melhorar a limpeza das ruas, das casas, dos locais devolutos e lúgubres do centro histórico…
Os Passadiços do Mondego (cujos mais de 11 km pudemos conhecer na semana passada) serão um equipamento muito interessante para contribuir para as pessoas virem e ficarem mais tempo na Guarda. A autarquia deve promover e criar estruturas de apoio e visitas guiadas, com informação e acompanhamento no local, aos visitantes de um percurso de natureza frondosa e agreste, de um território inóspito e riquíssimo, culturalmente e ambientalmente. Pode ser o equipamento de referência no concelho para a promoção de turismo fora da cidade e fixar mais visitantes que até agora nada tinham para fazer na Guarda depois de umas fotos rápidas ao centro histórico e à Sé. Mas são precisos outros equipamentos. A Casa da Legião deveria ser reconstruída com um equipamento enriquecedor para a cidade – o projeto de um museu de arte contemporânea faz sentido, mas poderia ser outro o destino, por exemplo, um centro de interpretação da história da Guarda ou outra ideia que pudesse contribuir para haver mais um local a visitar – entretanto a autarquia colocou em debate público o destino a dar ao imóvel, pese embora seja conhecida a opção e ela passa por demolir, limpar e fazer um largo, com ou sem estacionamento…
Luís Baptista-Martins