Era o “sr. Rui”. O homem que soube, como ninguém, a partir de um negócio ilegal de contrabando erguer uma empresa multinacional, uma empresa líder no seu sector e uma marca, a Delta, como referência nacional.
Manuel Rui Azinhais Nabeiro nasceu a 28 de março de 1931 em Campo Maior. Terminou o ensino primário antes de, aos 13 anos, começar a ajudar a família na atividade de torra do café e ajudar o pai a organizar a vida comercial. Como ele diria, em entrevista, orgulhosamente, «vendia peixe e fui pregoeiro», porque «os meus pais tinham uma merceariazinha possibilitada por um patrão do meu pai» e em casa eram cinco filhos.
O pai conhecia bem a fronteira e com ele aprendeu a movimentar-se com facilidade no pós-guerra civil espanhola. Rui Nabeiro conhecia como poucos as artimanhas e o jogo do passar a salto a fronteira e cedo soube organizar homens que se dedicavam ao contrabando e faziam incursões para lá e para cá da linha de fronteira, durante a noite, percorrendo distâncias de 50 ou mais quilómetros com sacos às costas de 25 ou 30 quilos, por vezes mais. Homens robustos, fortes e dedicados, que transportavam todo o género de artigos numa Espanha empobrecida, saída da guerra. O jovem Nabeiro cedo percebeu que levar rebuçados, chocolates, roupas, aspirinas e outros medicamentos, perfumes, tabaco, toucinho, tripas de porco, barras e folhas de cobre ou gado eram produtos procurados do lado de lá da fronteira. Já não era volfrâmio o que os espanhóis queriam, era o café o produto mais vendável entre os muitos que se contrabandeavam na raia.
Foi nos muitos trilhos de contrabando na raia dos anos 40 e 50 que o jovem Rui Nabeiro aprendeu a maiores lições de economia e gestão, mas sem nunca deixar de olhar para o seus, para a comunidade. Terá sido nesse tempo que também se aventurou pela raia beirã fazendo crescer o negócio. E terá sido nessa época que passou nomeadamente pelos concelhos de Penamacor e Sabugal, linha de raia com tantos caminhos de contrabando, e fonte de tantas fortunas acumuladas pelo suor, o risco e as noites mal dormidas.
Quando, há dois anos, na reorganização da Rádio Altitude divulgámos algumas das dificuldades da mais antiga emissora local portuguesa e de que necessitávamos de colaboração para “salvar” a Rádio, o empresário de Campo Maior recordou a companhia do Altitude nas muitas horas de solidão que passou na raia. A Rádio Altitude terá sido então, nos idos de 50, a companhia de Rui Nabeiro entre o bulício do gato e do rato com os guardas fiscais ou a Guardia Civil espanhola e a solidão silenciosa da noite, nesses tempos em que a pobreza e a miséria nas nossas aldeias convivia com poucos meios de diversão e a Rádio Altitude era presença obrigatória, em todo o interior.
Em 2021 recebemos a prova da generosidade de Rui Nabeiro, que doou à Rádio Altitude mil euros. Uma oferta pelo reconhecimento do serviço público que a mais antiga rádio local há muitos anos presta; uma oferta pela memória da companhia que o fundador da Delta nutriu como uma dívida de gratidão; uma oferta como agradecimento de um cidadão exemplar que cedo percebeu que os lucros não existem exclusivamente a nível financeiro.
Gratos, curvamo-nos perante a morte de um dos homens mais extraordinários do Portugal contemporâneo, um filantropo que soube sempre estar ao lado dos que precisam. Aos 91 anos, partiu um exemplo.
Luís Baptista Martins