Enquanto celebramos os 825 anos do Foral outorgado à Guarda por D. Sancho I, em 1199, regresso às comemorações do Oitavo Centenário da cidade, a 1999.
Há precisamente vinte cinco anos a cidade vivia apaixonadamente, e com uma intensidade surpreendente, enormes mutações anunciadas por uma espiritualidade irrepetível, a de um verdadeiro jubileu, fundacional, dos 800 anos de uma longa história, a história da Guarda.
A 27 de Novembro de 1999, a cidade saiu à rua para receber o Presidente da República Portuguesa, o Dr. Jorge Sampaio, numa Praça Luís de Camões, a Praça Velha, a praça do povo, repleta para dar vivas ao mais alto magistrado da nação. Por entre a multidão, ladeado pela mulher, Maria José Rita, e pela presidente da Câmara de então, Maria do Carmo Borges, Jorge Sampaio agradecia a hospitalidade, enquanto caminhava para os antigos Paços de Concelho onde iria inaugurar a Mediateca VIII Centenário – um vislumbre de modernidade num imóvel renovado e que pretendia simbolizar a entrada num novo tempo.
A tarde fria de novembro, tão nossa, foi interrompida pelo gáudio popular, pela alegria, pelos aplausos e pela esperança de fecharmos o século e o velho milénio com a chegada de novos desafios, de ambiciosos desideratos, de um futuro resplandecente. Era a metamorfose da velha cidade anunciada por Maria do Carmo Borges, naquele que foi provavelmente o melhor período da Guarda, com a inauguração de «uma obra por mês».
Depois prosseguiu-se para a Câmara Municipal da Guarda, onde a população, entre a rua, o auditório e a sala da Assembleia Municipal, ouviu Eduardo Lourenço numa das mais brilhantes alocuções sobre a Guarda: “Oito séculos de Altiva Solidão” – uma ode à cidade que deveria ficar entre as lápides mais relevantes da nossa história, ao lado de outra grande dissertação, o “Discurso da Guarda”, de Jorge de Sena.
Regressar à reflexão de Eduardo Lourenço é perceber melhor o lugar onde estamos: «A evocação ou a referência ao passado só é interessante por pôr em causa o presente e explicar as suas nostalgias ou o seu mal-estar. Ser interior hoje, ser capital ou cidade de interior é vivido como punição, como empobrecimento efetivo e simbólico, como fatalidade. É verdade que a cidade de D. Sancho pagou caro o seu papel de sentinela, ao mesmo tempo real e ilusório. Que aceitou com demasiada passividade o destino barroco e mais tarde o administrativo que o século XIX lhe proporcionou. E que lhe tem custado acompanhar a tumultuosa metamorfose de um Portugal que está apanhando ao mesmo tempo todos os comboios perdidos que nos afastavam da Europa. Não é a única».
Por tudo isto, e enquanto celebramos o Dia da Cidade, «cultivar as nossas raízes, inspirar-se nelas ou delas para sentir-se como uma espécie de barca que voga no tempo, não é nenhum pecado. A Beira, a nossa Guarda, são terras de larga e funda memória». É, sem dúvidas, o presente que vivifica todos os passados. «Que resta à Guarda? Mobilar melhor a sua estelar solidão histórico-cultural, sem ter, enfim, o sentimento de a quebrar? Só os caros cidadãos egitanienses podem definir os seus sonhos e as suas aspirações».
Regressar a esse momento foi voltar a um dos mais notáveis instantes na vida cívica contemporânea. A cidade iniciava um ano de comemorações. Um ano de ambição e utopia. Um ano que não podemos esquecer. Por entre as brumas desta cidade tantas vezes sombria, esse foi um tempo extraordinário (o tempo em que também nascia um novo jornal, o jornal O INTERIOR, que nesse momento dava os primeiros passos, ainda que só em janeiro do novo século e do novo milénio tenha iniciado as suas publicações). O nosso desígnio de hoje é ambicionar e pugnar por voltarmos a ter momentos assim, momentos inspiradores, transformadores, de sonho e utopia, de metamorfose e novo futuro.
Parabéns Guarda!
Escrito por Luís Baptista-Martins