Intervencionar «o pavilhão Dona Amélia, de forma a garantir as condições de conforto dos utentes e garantir a melhoria das condições de prestação de cuidados de saúde». Este é um dos pontos do projeto de resolução apresentado pelo Bloco de Esquerda, que será debatido na Assembleia da República dentro de uma semana, a 30 de Setembro.
Porém, o referido pavilhão, que faz parte do conjunto de edificações centenárias do antigo Sanatório Sousa Martins, encontra-se encerrado há quase 50 anos, não tem uso nem utentes e está em avançado estado de degradação.
A iniciativa parlamentar surge na sequência do agendamento da discussão, em plenário, da petição entregue pelo denominado Movimento de Apoio à Saúde Materno-Infantil. Um grupo de cidadãos que recolheu perto de 19.000 assinaturas em defesa da requalificação do antigo das urgências e dos blocos operatórios do Hospital da Guarda (conhecido como Pavilhão 5), para lá concentrar especialidades como ginecologia, obstetrícia, neonatologia e pediatria.
O propósito do movimento é dar sequência à ideia de criar, naquele bloco (que, com a inauguração do novo edifício do Hospital, em 2014, começou por ficar praticamente sem utilização) uma nova maternidade e um corpo centralizado de valências na área materno-infantil.
Este projeto tinha sido lançado em 2016 pelo anterior conselho de administração da Unidade Local de Saúde, presidido por Carlos Rodrigues [recordar notícia aqui], debaixo de fortes críticas da, na altura, deputada do Partido Socialista eleita pelo círculo da Guarda, Maria Antónia Almeida Santos [recordar aqui].
Porém, do mesmo modo que foi a anterior equipa da ULS a construir uma cozinha e um refeitório para o Hospital, pondo fim à confeção de refeições em contentores provisórios, Carlos Rodrigues não desistiria de avançar com a requalificação do edifício construído em 1997, para instalar o Departamento de Saúde da Criança e da Mulher. E a administração chegou mesmo a consolidar a cobertura e a substituir o telhado do pavilhão, investindo perto de 300 mil euros e resolvendo assim o mais urgente dos problemas: alguns dos antigos blocos operatórios tinham chegado a encerrar devido à chuva que se infiltrava no interior do edifício.
O Governo de então, com Paulo Macedo como ministro da Saúde, tinha em 2012 ordenado o cancelamento da empreitada da segunda fase da ampliação e remodelação do Hospital da Guarda, que contemplaria a requalificação daquele bloco de 1997 (o pavilhão 5) e do de 1952 (conhecido como “comboio”).
Mas após a inauguração do edifício novo, em Junho de 2014, o próprio governante da coligação PSD/CDS admitia necessidade de novas obras [recordar notícias aqui e aqui].
Assim, em Novembro de 2016 o conselho de administração consignava a elaboração do projeto de remodelação do edifício [recordar notícia aqui], para acolher a nova maternidade e as restantes valências relacionadas com a mulher e a criança.
A equipa de Carlos Rodrigues seria substituída em Março de 2017. Pouco depois, a nova administração, presidida por Isabel Coelho, recebia a notícia do chumbo do financiamento do projeto [recordar notícia aqui].
Este plano herdando acabaria, de qualquer modo, por ser o assumido pelos novos responsáveis. E não voltou a ouvir-se falar da segunda fase interrompida em 2012.
O Movimento de Apoio à Saúde Materno Infantil, formado em 2018, passou a reivindicar as obras no pavilhão 5 e levou a petição nesse sentido à Assembleia da República, não se referindo, também, ao projeto global abandonado pelo anterior Governo.
Salvo raras vozes que reclamavam o retomar do programa funcional inicial, como por exemplo Virgílio Bento ou Adelaide Campos [recordar aqui, aqui e aqui], a requalificação do pavilhão 5 passou a ser assumida como a obra de fundo no Hospital da Guarda, mesmo entre as estruturas locais do Partido Socialista (cujo Governo liderado por José Sócrates tinha iniciado em 2009 as obras de ampliação e remodelação integral da unidade, que deveria ter duas fases).
Na campanha para as eleições legislativas de 2019, o primeiro-ministro, António Costa, voltaria à promessa da segunda fase [recordar notícia aqui]. Perante as dúvidas, o Partido Socialista esclareceria na Assembleia Municipal: o pavilhão 5 será «a primeira fase da segunda fase» [recordar notícia aqui].
Mas só há pouco mais de um mês foi aberto o concurso para «estudos e projeto» [ver notícia aqui]. Quase cinco ano depois de a ideia ter sido lançada como parte da compensação possível pelo cancelamento da segunda fase do projeto de ampliação e remodelação do Hospital Sousa Martins.
No próximo dia 30 serão cinco as propostas de resolução (do PS, do PSD, do CDS, do PCP e do Bloco de Esquerda) em debate na Assembleia da República. E todas em defesa da requalificação do Pavilhão 5. A segunda fase do plano original, que daria à Guarda um investimento global de quase 90 milhões de euros num novo hospital, parece ter saído das reivindicações políticas.
O grupo parlamentar do PS recomenda «prioridade absoluta à conclusão do projeto e lançamento da obra de requalificação do Pavilhão 5 do Hospital da Guarda, para instalação dos Serviços de Saúde Materno-Infantis de a Maternidade». Deste modo, afirma o partido do Governo, «o Pavilhão 5 vai ser a nova Maternidade da Guarda e o investimento atinge quase 7 milhões de euros». Quanto ao mais, a culpa remete-se para o passado: «o Governo do Prof. Cavaco Silva optou pela construção de hospitais na Covilhã e Viseu, deixando Guarda de fora»; e, já neste século, apesar de o Governo de José Sócrates, em 2007, «ter decidido a construção do novo Hospital da Guarda (1ª fase) e a requalificação da área hospitalar antiga (2ª fase), no Governo PSD/CDS optou-se pela suspensão da 2ª fase do projeto, desvalorizando o investimento nos cuidados de saúde da população». Mas socialistas não arriscam a reversão integral do processo: «o pavilhão 5 é a primeira fase da 2ª fase do Hospital da Guarda». E é tudo, por agora.
O PSD recorda que «já desde 2016 que o plano de investimentos em saúde da região Centro, coordenado pela Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC), contemplava a requalificação do Pavilhão 5, para instalação do Departamento da Saúde da Criança e da Mulher da ULSG, onde passaria a funcionar o bloco de partos, bem como as urgências de obstetrícia e pediatria e a ginecologia do Hospital da Guarda». E denuncia a existência «ao longo dos últimos três anos, diversas vicissitudes e contingências administrativas e burocráticas têm protelado a concretização do referido investimento, o que tem prejudicado a acessibilidade, a qualidade e a humanização da prestação de cuidados materno-infantis aos utentes». Os parlamentares social-democratas reclamam ainda o mérito de «vultuosos investimentos realizados na Unidade Local de Saúde da Guarda durante o difícil período em que o PSD foi chamado a governar o país, na sequência da quase bancarrota de 2011», lamentando que «quase cinco anos depois de o Partido Socialista ter assumido responsabilidades governativas, a requalificação do Pavilhão 5 do Hospital de Sousa Martins continue por concretizar».
Já o CDS defende a requalificação do Pavilhão 5, por «contemplar um departamento com os serviços de Pediatria, Obstetrícia, Urgências Pediátricas, Urgências Obstétricas, Neonatologia e Ginecologia, deixando assim de existir a separação estrutural entre eles, melhorando os circuitos internos a percorrer, muitas vezes desconhecidos por quem a eles recorre, e dignificando desta forma a saúde da mulher e da criança».
O grupo parlamentar do PCP defende que «para melhorar a prestação de serviços aos utentes do SNS, para dar as devidas condições de trabalho aos seus profissionais, para incentivar a natalidade e a fixação de população no distrito da Guarda, é urgente a reconstrução imediata do Pavilhão 5 do Hospital Sousa Martins e consequente instalação da área clínica materno-infantil».
O Bloco de Esquerda pede ao Governo que «proceda, de imediato, à requalificação do pavilhão 5 no Hospital Sousa Martins, na Guarda», edifício que «com cerca de 20 anos, necessita de intervenção para ali implementar o centro materno infantil».
Mas o BE faz outra recomendação: «para além do pavilhão 5, é também necessária a célere intervenção no pavilhão Dona Amélia, com cerca de 110 anos de idade, de forma a melhorar as condições de conforto dos utentes e garantir a melhoria das condições de prestação de cuidados de saúde».
No debate parlamentar do dia 30 ficar-se-á a perceber se os deputados bloquistas terão sido mal informados (ao assumirem a existência de utentes no pavilhão D. Amélia que, tal como o vizinho pavilhão D. António de Lencastre, pertence ao conjunto original inaugurado em 1907, estando ambos há décadas abandonados e em avançado estado de degradação) ou se apenas terão cometido um lapso, querendo referir-se ao edifício do ex-Sanatório, inaugurado em 1952, conhecido como “comboio” (devido à configuração em enfermarias servidas por longos corredores), onde ainda funcionam serviços do Hospital da Guarda, entre os quais os da área materno-infantil.
Possíveis confusões à parte, o certo é que a segunda fase do grande projeto da autoria do arquiteto Ilídio Pelicano, anunciado em 2007 pelo ministro da Saúde, Correia de Campos, e lançado em 2009 pelo primeiro-ministro, José Sócrates, pode ter passado à história.
Voltando à expressão que ficou no léxico político local, todas as forças políticas parecem agora contentar-se com um novo “remendo”. É, na prática, o que se preparam para defender no próximo dia 30 na Assembleia da República.